ESPIRITUALIDADE PANDÊMICA
Há quem diga que nunca se foi mais necessário uma maior conexão com nossa espiritualidade. Em um ano que nos isolamos das interações sociais, conviver consigo mesmo pode ter sido um desafio para muitas pessoas. Talvez seja esse o motivo das palavras “Deus”, “Fé” e “Oração” terem atingido recordes de procura segundo registrou o Google Trends em abril de 2020. Em um ano em que tudo parou - e mudou - algo sutil fez a diferença na vida de milhares de pessoas por todo o mundo: a fé.
Pesquisas da OMS já previam que em 2020 transtornos mentais alcançariam o posto de doença com mais casos no mundo. Contudo, a pandemia da Covid-19, foi um fator mais do que apenas decisivo, mas também impulsor para tal previsão. Estudos apontam que casos de doenças mentais durante a quarentena intensificaram, por diversos motivos. Eles podem se dar desde a preocupação com o surto de coronavírus, alguma perda próxima, o afastamento social, o tempo recluso dentro de casa e/ou a adaptação de uma nova rotina.
Dados fornecidos pelo Google para O Estadão apontam que a busca para termos relacionados a transtornos mentais aumentaram 98%, ante a média verificada dez anos antes. Entre três perguntas mais buscadas em 2020 com a expressão “como lidar”, duas estão relacionadas à ansiedade e à depressão. Esses dados apontam para um problema coletivo, no entanto, a busca também vem na premissa de compreender um problema e procurar maneiras de se (re)confortar dentro desses novos parâmetros de convivência e cotidiano.
Buscando por um conforto dentro de casa, muitas pessoas recorreram às suas crenças, buscaram conhecer outras formas de se reconectar com algo divino ou mesmo encontrar uma forma de bem estar com a ajuda de atividades físicas. Nesse cenário de novo normal, Ariel Stival, 22 anos, ministro extraordinário da comunhão eucarística e membro do movimento apostólico de schoenstatt nos conta sobre como aumentaram a procura pelas missas durante esse período pandêmico.
Há tempos que a recomendação da Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda manter um estilo de vida saudável a fim de evitar doenças cardiológicas. Ainda assim, essas são as doenças que mais crescem e causam mortes no mundo moderno. Em sua nova Diretriz de Prevenção, a SBC destaca a importância da espiritualidade na prevenção de doenças do coração. Estudos mostram que pessoas ligadas com suas espiritualidade, nas suas diversas formas, se relacionam com melhor qualidade de vida, logo menos doenças e uma maior sobrevida. Para algumas pessoas, essa espiritualidade define-se pela busca de um significado existencial, utilizando a transcendência com seu viés religioso em uma conexão com um poder divino. Já outros, acreditam que pode ser desenvolvida a resiliência ao aceitar plenamente o que a vida lhes impõe exercitando sentimentos edificantes como o perdão e a gratidão, conduzindo-os na direção do aperfeiçoamento ético e moral.
Não é à toa que um dos nomes mais renomados da medicina, o médico canadense William Osler (1849-1919), professor da Johns Hopkins Escola de Medicina afirma que “a fé despeja uma inesgotável torrente de energia”. A fé fortalece nosso sistema imunológico, reduzindo o surgimento do câncer e todas as evidências e estudos apontam no sentido de redução da mortalidade cardiovascular. O Journal of Biobehavioral Medicine, The Third National Health and Nutrition Examination Survey publicou em 2006 um estudo que avaliou 14.475 adultos e pode ser notado que pessoas que frequentavam a igreja semanalmente tinham menos problemas com hipertensão se comparado com os que não frequentavam serviços religiosos. Em 2016 a revista Jama Inter Medicine, publicou um estudo que mostra uma redução da mortalidade cardiovascular em mulheres que frequentavam serviços religiosos mais de uma vez por semana em mais de 27%. Também houve incidência de tumores malignos 21% menor em relação àquelas que nunca tiveram tais práticas.
A explicação mais aceita desse fenômeno é a de que as pessoas espiritualizadas têm maior compreensão de suas vidas e, portanto, desenvolvem menos estresse, ansiedade e depressão. É comum ouvir relatos de pessoas que se curaram desses maus psicológicos depois do seu despertar espiritual. Pessoas que se dedicam a uma atividade religiosa teriam mais dificuldade de desenvolver hábitos nocivos como o tabagismo e o álcool. Além disso, vivem melhor ao cultivar práticas como relaxamento, meditação, perdão e gratidão. De acordo com psicólogos, a resiliência e a religiosidade podem ser cultivadas. Raquel Klauck, 22 anos nos conta em entrevista um pouco sobre os benefícios de uma vida próxima da espiritualidade e da fé.
Não é de hoje que os médicos observam em seus pacientes necessidades espirituais, e que considerá-las no momento de traçar um plano terapêutico pode aumentar as suas chances de sucesso. Por esse motivo, é cada vez mais urgente revisar o conceito de saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde), que a define como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não só a ausência de doença ou enfermidade”. Sendo a saúde apenas um dos indicadores de qualidade de vida, mas ainda considera-se questões como espiritualidade, cultura, valores, entre outros fatores, na incansável busca de entender como os aspectos positivos da realidade de cada pode vir a influenciar seu bem estar.
Uma grande parcela das escolas de medicina dos Estados Unidos já complementou a espiritualidade em seus currículos. Por trás do objetivo de treinar médicos e equipes de saúde a lidarem com a espiritualidade de seus pacientes, está o reconhecimento de que, mesmo com “a mais alta das mais avançadas das tecnologias”, até o momento, não foi possível resolver o mistério do sofrimento.
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Os benefícios da espiritualidade
Uma grande parcela das escolas de medicina dos Estados Unidos já complementou a espiritualidade em seus currículos. Por trás do objetivo de treinar médicos e equipes de saúde a lidarem com a espiritualidade de seus pacientes, está o reconhecimento de que, mesmo com “a mais alta das mais avançadas das tecnologias”, até o momento, não foi possível resolver o mistério do sofrimento.
Mesmo sendo difícil identificar fatores biológicos, psicossociais e até transcendentais que possam justificar essa melhora do estado geral de saúde, comprovações científicas confirmam a ligação com a espiritualidade. Não há dúvidas sobre os benefícios para a saúde mental das práticas religiosas ou espirituais, podendo elas ser:
A CURA DA FLORESTA
A ayahuasca é um chá feito da combinação do cipó Jagube ou mariri e do arbusto Chacrona. Juntos produzem uma bebida terrosa e amarga usada para fins terapêuticos e rituais religiosos, como o Xamanismo e o Santo Daime. Esse chá possui a capacidade de induzir fortes modificações na percepção, emoção e cognição. Para o povo indígena, a Ayahuasca é uma medicina sagrada usada pelos seus ancestrais para combater qualquer tipo de enfermidade, seja ela física ou espiritual.
A revista científica Translational Psychiatry publicou um estudo feito pela Universidade Complutense de Madri, na Espanha, afirmando que o DMT, substância encontrada na ayahuasca capaz de produzir delírios, não apenas promove a formação de novos neurônios, mas também a de outras células neurais, como astrócitos e oligodendrócitos, importantes no funcionamento do sistema nervoso.
O povo Kokama, tribo indígena da região do Alto Rio Solimões, no Amazonas, considera o ritual da ayahuasca como a mais “poderosa cura”. Eles acreditam que esse é um momento de experiência, de descoberta, de visões do futuro e do passado e de aprendizagem dos costumes. Motivo esse que os fez abandonar a medicina moderna na pandemia de 2020, tratando indígenas com sintomas de COVID-19 com o chá de ayahuasca.
Os Kokama foram os primeiros entre os indígenas brasileiros a registrar infecção pelo novo coronavírus em 31 de março em Santo Antônio do Içá. Como a colonização a cinco séculos atrás, a doença do homem branco chega como um extermínio ao indígena deixando quase 60 mortes desde então. Cinquenta e seis delas entre o mês de abril e a segunda semana de junho. A partir de aí, em um período de um mês e meio, foi registrado o restante dos óbitos. Mesmo com um grande número de pacientes sendo tratados com remédios tradicionais, aliado aos cuidados de higiene e distanciamento social, o resultado é uma redução significativa nas mortes pelo novo vírus.
Mas não são apenas doenças físicas que podem ser tratadas com a medicina da floresta. Estima-se que cerca de 350 milhões de pessoas sofrem com a depressão em todo o mundo e chega a um terço dos enfermos que resistem às formas de tratamento tradicionais. Foi pensando nisso que pesquisadores do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) começaram uma pesquisa para entender melhor como atua o chá de ayahuasca no combate à depressão. Esse estudo demonstrou que apenas uma dose da bebida alivia sintomas das vítimas de depressão por até uma semana e seu efeito é quase instantâneo.
Por se tratar do uso de substâncias psicodélicas, há ainda muito preconceito externo, porém nos últimos anos tem ficado cada vez mais evidente que os riscos associados ao uso desse tipo de substancia é relativamente baixo. Esses chamados “psicodélicos clássicos”, como a ayahuasca e a psilocibina (encontradas em um tipo de cogumelo) não viciam e até estão sendo testadas como uma alternativa no tratamento contra o uso abusivo de drogas como tabaco e álcool.
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CHAPADINHA DE ENDORFINA
Há também quem procure atividades físicas para manter o bem-estar. Já é de conhecimento geral que fazer atividades físicas regularmente não apenas é benéfico para o corpo como também para o cérebro, que libera endorfina, hormônio que nos traz felicidade. A prática de exercícios físicos também melhora o sistema imunológico contribuindo para a proteção e o combate às doenças crônicas. Enquanto para uns, praticar exercícios sem sair de casa tenha sido um desafio, para outros foi o que manteve o equilíbrio e a vitalidade para os dias de isolamento.
O portal Saúde Brasil, do governo federal, mostra que manter a rotina da prática regular de atividades físicas pode oferecer também benefícios psicológicos, capaz de promover a sensação de bem-estar. A coordenação-geral de Promoção de Atividade Física e Ações, do ministério da saúde, orienta que para cada faixa etária existe uma prática adequada.
A pandemia do novo coronavírus impôs, naturalmente, diversas restrições à prática de atividades físicas. Pesquisas do tipo “exercício em casa” atingiram seu recorde de procura na última semana de março de 2020. Enquanto academias fechavam as portas, pessoas como Aline Magri viram uma oportunidade de auxiliar pessoas mesmo de longe. Ela nos conta que no começo teve dúvidas sobre o formato das aulas por se tratar de exercício físico, mas que depois percebeu que era possível - e benéfico - essas aulas a distância. Além disso, ela também nos explica sobre os benefícios da prática do yoga.
Veja as entrevistas na íntegra aqui e aqui
SOBRE
Grupo de estudantes de jornalismo. Reportagem feita para a matéria Laboratório Convergente da Universidade Federal de Santa Maria campus Frederico Westphalen (UFSM-FW)
O intuito da reportagem é conversar com o jovem leitor sobre a estaganção em tempos pandêmicos, debatendo e conversando com pessoas que procuram através da espiritualidade um conforto em tempos dificéis e duvidosos.
FONTE
Seminário Saúde Mental e COVID (OPS) - https://www.campusvirtualsp.org/es/webinar/salud-mental-y-la-covid-19-plsi
Folheto Cuidados Saúde Mental COVID (OPS) -
Considerações psicossociais (OPAS) -
https://iris.paho.org/handle/10665.2/51996
Saúde mental dos adolescentes (OPAS) -
https://www.paho.org/pt/topicos/saude-mental-dos-adolescentes
Efeitos na quarentena, saúde mental (PEBMED) -
UEJR - https://www.uerj.br/noticia/11028/
https://www.redalyc.org/pdf/2814/281421937023.pdf
https://www.scielo.br/pdf/se/v23n2/a08v23n2
https://www.scielo.br/pdf/rpc/v34s1/a14v34s1.pdf
https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/
https://www.biorxiv.org/content/10.1101/103531v1 - artigo sobre estudo dos efeitos do ayahuasca nos sintomas de depressão